Veja a seguir o texto de Leonora Corsini sobre as novas regras de imigração no Brasil, tendo em vista as crises nos Estados Unidos e Europa e o crescimento e oportunidades de emprego que o Brasil oferece atualmente.
O Brasil e a nova Lei de Estrangeiros
Texto de Leonora Corsini
De acordo com os estudiosos do tema das migrações, existem
hoje cerca de 200 milhões de migrantes em circulação no mundo; são números
bastante expressivos, que permitem postular a existência de um sexto continente
– o “continente móvel” – que corresponde a praticamente 3% da população
mundial. Algo do tamanho da população brasileira vive em contínuo movimento
migrante; seria como imaginar todo o nosso país migrando pelo mundo. Yann
Moulier-Boutang chama este movimento em massa de “Continente da Fuga”, uma
terra que tem de ser sistematicamente conquistada e que começou a ser delineada
a partir da fuga do trabalho dependente, da escravidão e da servidão, acabando
por ter um caráter positivo nos países de imigração ao criar as condições que
favorecem a acumulação.
Neste sentido, os fluxos bilionários das remessas de
dinheiro feitas pelos migrantes a seus países de origem falam por si:
percorrendo muitas vezes canais informais, fora do sistema bancário oficial, as
remessas dos migrantes movimentam um impressionante volume de dinheiro – mesmo
com a crise – muitas vezes mais importante para os países de origem que a
própria ‘ajuda’ recebida dos países mais ricos através dos organismos
multilaterais e agências internacionais de desenvolvimento.
Depois dos Estados Unidos, os países da União Européia são
os que mais recebem imigrantes. Ao mesmo tempo, de um modo geral, a Europa
apresenta queda no crescimento populacional, o que poderia fazer paralisar o
mercado de trabalho europeu em pouco mais de dez anos não fosse o fato de o
fenômeno das migrações não parar de crescer. Como observa Flavio Carvalho,
residente em Barcelona e participante do Coletivo Brasil Catalunya e da Rede de
Brasileiros no Exterior, a Europa das grandes guerras sempre buscou refúgios
pelo mundo; agora, os países do continente necessitam de pessoas, sobretudo de
trabalhadores jovens, em idade produtiva e preferencialmente com alta
qualificação profissional. Por esse motivo, a UE acaba desrespeitando a própria
Declaração Internacional dos Direitos Humanos na hora de expulsar os que não
interessam pela “porta dos fundos”, ao mesmo tempo em que cria o BlueCard, um
tipo de visto que permite aos “cérebros” que a própria UE se dará o direito de
escolher, o ingresso pela “porta da frente”.
Trata-se, portanto, de uma inclusão, sim, mas sempre
seletiva. Inclusão seletiva que deve ser entendida como algo mais do que um
simples efeito das dificuldades e desafios jurídicos e econômicos colocados
pela necessidade de importação de mão-de-obra exógena sem prejudicar os
mercados internos autóctones; trata-se, ao contrário, de uma tentativa de
conter para internalizar a mobilidade dos migrantes, um processo histórico que
visa, sobretudo, organizar e garantir o aprovisionamento regular de trabalho
dependente. Flavio Carvalho traz o exemplo da Espanha, que necessita de algo
como dois milhões de imigrantes para o seu mercado de trabalho, “com crise ou
sem crise”. Desses migrantes, 43% terão nível de estudos superior, mas
provavelmente trabalharão em “serviços pesados” e receberão baixos salários. “A
Espanha tem a fama de deter o primeiro lugar no mundo em utilização de
trabalhadores altamente qualificados para serviços que não precisam nenhuma
prévia qualificação. Talvez por isso, a Espanha seja também o país ‘número 1’
em remessas de imigrantes na União Européia desde 2003”.
Rede de Brasileiros e Brasileiras no Exterior e as
Conferências Brasileiros no Mundo – instrumentos de cidadania
Depois de mais de três décadas de “saída” de brasileiros
(que hoje chegariam a seis milhões de pessoas), em julho de 2008 o Governo Lula
tomou a decisão inédita e histórica de convidar uma centena desses brasileiros
espalhados pelo mundo para se reunir no Palácio do Itamaraty, no Rio de
Janeiro. A reunião teve entre seus objetivos criar um canal de comunicação com
os emigrados, para falarem dos seus problemas e apresentarem propostas em uma
grande Conferência, tal como tem sido prática em outras Conferências
brasileiras: as Conferências das Cidades, da Educação etc. Trata-se de um
processo participativo com forte protagonismo do verdadeiro novo movimento
social brasileiro que se constitui nas redes solidárias dos brasileiros no
mundo.
Em 2008 foi lançado o “Guia Brasileiros e Brasileiras no
Exterior – Informações Úteis” (que pode ser acessado em
http://www.mte.gov.br/trab_estrang/brasileiros_no_exterior_cartilha_2008.pdf);
para este ano está previsto o início do funcionamento da Casa do Trabalhador
Brasileiro na Espanha (a primeira já existe no Paraguai e a próxima foi
anunciada em visita do Presidente do Conselho Nacional de Imigração do Brasil à
Barcelona). Tais iniciativas convergem para o objetivo estratégico de avançar
no processo participativo das Conferências “Brasileiros no Mundo”, um canal
institucional de diálogo com as comunidades de brasileiros que vivem no
exterior. Consolidando o processo, o Ministério das Relações Exteriores lançou,
também em 2009, um portal de informações na Internet
(http://www.brasileirosnomundo.mre.gov.br), incluindo listas de associações e
organizações que agregam ou apóiam brasileiros, meios de comunicação a eles destinados,
estimativas populacionais, referências bibliográficas e registros audiovisuais.
O portal propõe também ser um meio de divulgação, manutenção e documentação das
Conferências Brasileiros no Mundo, cujo segundo encontro acontecerá em outubro
deste ano novamente no Palácio do Itamaraty do Rio de Janeiro. Todas essas
iniciativas expressam, além de uma sensibilidade diferente com relação à
questão migratória, o empenho do atual governo em promover a melhoria da
qualidade de vida e da plena cidadania das brasileiras e brasileiros em
contextos de migração, fortalecendo os processos organizativos dessas redes de
migrantes como instrumento de cidadania.
Os “olhos azuis”, a crise mundial, e a situação dos
migrantes sem documentos
Também são boas as notícias para os estrangeiros que vivem
no Brasil em situação “irregular”: o presidente Lula sancionou, em julho
último, o projeto de lei (PL 1.664/2007) que anistia e abre caminho à
legalização de milhares de migrantes que estão nesta situação no país. “Com a medida,
o Brasil dá um exemplo ao mundo, especialmente aos países europeus e aos
Estados Unidos, onde os imigrantes são perseguidos”, disse o relator do
projeto, deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Estima-se que o projeto vá
beneficiar os estrangeiros que estão nesta condição e que ingressaram no Brasil
até o 1º de fevereiro de 2009, ou seja, de 150 mil a 200 mil migrantes
não-documentados. Constitui também um ato histórico, que coloca o Brasil, mais
uma vez, em posição de destaque em termos de sua política de relações
internacionais: enquanto a maioria dos países ricos fecham as suas portas aos
migrantes, o Brasil segue a direção oposta. Essa nova tendência foi apontada
pelo próprio presidente Lula durante a 98ª Conferência Internacional do
Trabalho, na Suíça, evento que comemorou os 90 anos da Organização
Internacional do trabalho (OIT), quando criticou os países ricos por estarem
“jogando a culpa (pela crise) em cima dos migrantes” e reiterou o polêmico
comentário feito durante a visita do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown,
de que a crise financeira internacional teria sido provocada “por homens
brancos e de olhos azuis”.
A regularização dos migrantes não afeta apenas os direitos
imediatos, como o respeito ao salário mínimo e a definição de uma jornada de
trabalho, mas também os direitos futuros. Como explica o secretário de
políticas da Previdência Social, Helmut Schwarzer, a transferência de um
trabalhador de um país para outro pode fazer com que ele não consiga cumprir
integralmente, em um único país, os requisitos para ter benefícios
previdenciários como a aposentadoria. O Brasil hoje mantém acordos sobre regras
previdenciárias com sete países: Portugal, Espanha, Itália, Chile, Cabo Verde,
Luxemburgo e Grécia, além do acordo multilateral com os países integrantes do
Mercosul. Hoje, já somam oitenta mil os benefícios pagos com base nesse
sistema; em 2007, apenas em São Paulo foram aprovados quatro mil. E há
negociações em andamento para acordos com outros seis países, entre eles o
Japão, a Síria e o Canadá; e os Estados Unidos, depois de muitos anos,
sinalizaram positivamente para a abertura de negociações nesse sentido.
Nova Lei dos Estrangeiros e validação de diplomas
universitários
Sem dúvida todas essas iniciativas devem ser aplaudidas, mas
precisamos continuar avançando no sentido de adequar a legislação que temos aos
novos tempos de integração e interdependência e acelerar as mudanças
necessárias. Ainda se encontra no Congresso para aprovação o projeto da nova
lei brasileira de imigração que virá substituir o Estatuto do Estrangeiro de
1980 (Lei 6.815), hoje totalmente ultrapassado. Implementada durante o regime
militar, a Lei 6.815 reflete a época que foi concebida, quando a preocupação
maior era com a segurança nacional, com o controle, porque os estrangeiros eram
vistos como elementos nocivos, uma ameaça à soberania.
Outra questão em descompasso com os avanços anunciados é a
absurda exigência de muitas universidades brasileiras – inclusive federais – de
revalidação dos diplomas obtidos em cursos superiores realizados em países
estrangeiros. Por um lado, esta exigência esbarra na necessidade, cada vez mais
imperiosa, de se construir novas regras para o reconhecimento dos diplomas
conferidos em outros países. Hoje, a mobilidade de estudantes e docentes é
muito grande, e isto exige uma postura diferente em relação aos diplomas. Em
primeiro lugar, porque a mobilidade de pessoas necessariamente implica
mobilidade e troca de conhecimentos e saberes. Com que critérios poderiam então
ser comparados programas e currículos entre países diferentes, se num mesmo
país esses programas mudam ao longo do tempo? Além disso, o pretexto da
preocupação com a qualidade pode ocultar o corporativismo de algumas categorias
e a falácia do critério meritocrático, o que geralmente acaba obscurecendo
outros interesses ou demandas sociais. Como diz a socióloga chilena Maria José
Lemaitre: “qualidade não é só se preocupar com a entrada de alunos na
universidade, não é ser seletivo ou rigoroso nesse processo. É também oferecer
programas e cursos que tenham compromisso social”. O caso dos médicos graduados
em Cuba que ainda não tem seus diplomas reconhecidos e por isto ficam impedidos
de exercer a profissão no Brasil é bastante emblemático neste sentido.
E quando a exigência da revalidação recai também sobre
cursos de graduação e pós-graduação de países membros de um bloco regional como
o Mercosul, cujos acordos multilaterais prevêem o reconhecimento automático,
para efeitos de pesquisa e docência, de diplomas conferidos em instituições de
ensino devidamente reconhecidas nos seus países, fica mais difícil ainda de
entender. Em nome de quê as universidades e seus regimentos acadêmicos marcham
exatamente na contramão dos acordos de integração firmados e já vigorando entre
os países do bloco? Eis uma questão que demanda atenção urgente das autoridades
competentes, sob pena de transformar em letra morta o que poderia estar sendo
comemorado como mais um avanço no sentido da liberdade e da democracia.
‘Faxina’ é principal atividade dos brasileiros em Londres
(BBC Brasil)
O estudo “Brasileiros em Londres” conduzido pela
Universidade Queen Mary em 2006, estima que a principal atividade desempenhada
por brasileiros na capital inglesa envolve trabalhos de limpeza. O
levantamento, que analisou dados obtidos a partir de um questionário aplicado a
423 brasileiros entre os meses de setembro e outubro de 2006, mostrou que 32%
dos entrevistados faziam faxina em casas e escritórios. Deste total, cerca de
80% eram mulheres.
O ramo de hotelaria e restauração aparece em segundo, com
26% dos imigrantes empregados no setor. Em terceiro vêm os que trabalham como
motoristas e motoboys (10%), seguidos pelos que atuam na construção civil (9%)
e pelas que disseram trabalhar como babá (3%). Outros 13% disseram estar fazendo
“outros serviços” e apenas 1% disse não estar trabalhando.
O presidente da Comissão de Relações Exteriores, deputado
Severiano Alves (PDT-BA), lembra que o Brasil enfrenta problemas de validação
dos diplomas de médicos que estudaram em Cuba ou na Bolívia, por exemplo. “A
saúde em Cuba é diferente da daqui? O mundo se unificou, o conhecimento
também”, afirmou. O deputado disse que os resultados do seminário serão levados
aos ministérios da Educação e das Relações Exteriores, para que o País adote mecanismos
de reconhecimento baseados nas semelhanças entre os currículos.
A regularização dos migrantes não afeta apenas os direitos imediatos, como o respeito ao salário mínimo e a definição de uma jornada de trabalho, mas também os direitos futuros. Como explica o secretário de políticas da Previdência Social, Helmut Schwarzer, a transferência de um trabalhador de um país para outro pode fazer com que ele não consiga cumprir integralmente, em um único país, os requisitos para ter benefícios previdenciários como a aposentadoria. O Brasil hoje mantém acordos sobre regras previdenciárias com sete países: Portugal, Espanha, Itália, Chile, Cabo Verde, Luxemburgo e Grécia, além do acordo multilateral com os países integrantes do Mercosul. Hoje, já somam oitenta mil os benefícios pagos com base nesse sistema; em 2007, apenas em São Paulo foram aprovados quatro mil. E há negociações em andamento para acordos com outros seis países, entre eles o Japão, a Síria e o Canadá; e os Estados Unidos, depois de muitos anos, sinalizaram positivamente para a abertura de negociações nesse sentido.
Nova Lei dos Estrangeiros e validação de diplomas universitários
Sem dúvida todas essas iniciativas devem ser aplaudidas, mas precisamos continuar avançando no sentido de adequar a legislação que temos aos novos tempos de integração e interdependência e acelerar as mudanças necessárias. Ainda se encontra no Congresso para aprovação o projeto da nova lei brasileira de imigração que virá substituir o Estatuto do Estrangeiro de 1980 (Lei 6.815), hoje totalmente ultrapassado. Implementada durante o regime militar, a Lei 6.815 reflete a época que foi concebida, quando a preocupação maior era com a segurança nacional, com o controle, porque os estrangeiros eram vistos como elementos nocivos, uma ameaça à soberania.
Outra questão em descompasso com os avanços anunciados é a absurda exigência de muitas universidades brasileiras – inclusive federais – de revalidação dos diplomas obtidos em cursos superiores realizados em países estrangeiros. Por um lado, esta exigência esbarra na necessidade, cada vez mais imperiosa, de se construir novas regras para o reconhecimento dos diplomas conferidos em outros países. Hoje, a mobilidade de estudantes e docentes é muito grande, e isto exige uma postura diferente em relação aos diplomas. Em primeiro lugar, porque a mobilidade de pessoas necessariamente implica mobilidade e troca de conhecimentos e saberes. Com que critérios poderiam então ser comparados programas e currículos entre países diferentes, se num mesmo país esses programas mudam ao longo do tempo? Além disso, o pretexto da preocupação com a qualidade pode ocultar o corporativismo de algumas categorias e a falácia do critério meritocrático, o que geralmente acaba obscurecendo outros interesses ou demandas sociais. Como diz a socióloga chilena Maria José Lemaitre: “qualidade não é só se preocupar com a entrada de alunos na universidade, não é ser seletivo ou rigoroso nesse processo. É também oferecer programas e cursos que tenham compromisso social”. O caso dos médicos graduados em Cuba que ainda não tem seus diplomas reconhecidos e por isto ficam impedidos de exercer a profissão no Brasil é bastante emblemático neste sentido.
E quando a exigência da revalidação recai também sobre cursos de graduação e pós-graduação de países membros de um bloco regional como o Mercosul, cujos acordos multilaterais prevêem o reconhecimento automático, para efeitos de pesquisa e docência, de diplomas conferidos em instituições de ensino devidamente reconhecidas nos seus países, fica mais difícil ainda de entender. Em nome de quê as universidades e seus regimentos acadêmicos marcham exatamente na contramão dos acordos de integração firmados e já vigorando entre os países do bloco? Eis uma questão que demanda atenção urgente das autoridades competentes, sob pena de transformar em letra morta o que poderia estar sendo comemorado como mais um avanço no sentido da liberdade e da democracia.
‘Faxina’ é principal atividade dos brasileiros em Londres (BBC Brasil)
O estudo “Brasileiros em Londres” conduzido pela Universidade Queen Mary em 2006, estima que a principal atividade desempenhada por brasileiros na capital inglesa envolve trabalhos de limpeza. O levantamento, que analisou dados obtidos a partir de um questionário aplicado a 423 brasileiros entre os meses de setembro e outubro de 2006, mostrou que 32% dos entrevistados faziam faxina em casas e escritórios. Deste total, cerca de 80% eram mulheres.
O ramo de hotelaria e restauração aparece em segundo, com 26% dos imigrantes empregados no setor. Em terceiro vêm os que trabalham como motoristas e motoboys (10%), seguidos pelos que atuam na construção civil (9%) e pelas que disseram trabalhar como babá (3%). Outros 13% disseram estar fazendo “outros serviços” e apenas 1% disse não estar trabalhando.
O presidente da Comissão de Relações Exteriores, deputado Severiano Alves (PDT-BA), lembra que o Brasil enfrenta problemas de validação dos diplomas de médicos que estudaram em Cuba ou na Bolívia, por exemplo. “A saúde em Cuba é diferente da daqui? O mundo se unificou, o conhecimento também”, afirmou. O deputado disse que os resultados do seminário serão levados aos ministérios da Educação e das Relações Exteriores, para que o País adote mecanismos de reconhecimento baseados nas semelhanças entre os currículos.
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